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Acordo de não persecução cível: primeiras reflexões

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Acordo de não persecução cível: primeiras reflexões

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CÍVEL

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

INVESTIGAÇÕES

LEI 13.964/2019

LEI ANTICRIME

MINISTÉRIO PÚBLICO

SANÇÕES

Landolfo Andrade

Landolfo Andrade

05/03/2020

O artigo 17, §1º, da Lei 8.429/1992, em sua redação originária, vedava a celebração de transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade administrativa. Agora, com a redação dada pela Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime), em vigor desde o dia 23 de janeiro de 2020, referida norma passou a admitir expressamente a solução consensual, nos seguintes termos: “As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei”.

A expressão “acordo de não persecução cível” designa a ideia de autocomposição na esfera de improbidade administrativa, que torna desnecessária a propositura ou a continuidade da ação eventualmente proposta com o objetivo principal de impor sanções ao agente ímprobo. Por outras palavras, estabeleceu-se, no plano normativo, instituto de consensualidade e cooperação que permite a conciliação antes ou depois da propositura da ação de improbidade administrativa.

Aparentemente, o legislador buscou estabelecer um paralelo com o instituto do “acordo de não persecução penal”, outra importante inovação trazida pela Lei 13.964/2019 no âmbito do Código de Processo Penal[i]. Considerando que as sanções penais e as sanções da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) integram aquilo que se convencionou chamar de Direito Sancionador, a Lei 13.964/2019 optou pela padronização das terminologias empregadas nessas distintas instâncias de responsabilização para designar as soluções negociadas para os seus respectivos conflitos, por meio das quais se viabiliza a aplicação imediata de sanções aos agentes infratores.

Outro importante ponto comum entre o acordo de não persecução penal e o acordo de não persecução cível reside no fato de que o agente infrator não precisa colaborar com as investigações. Diferentemente, portanto, dos institutos de direito premial[ii], nos quais o coautor ou partícipe do ilícito, visando a obtenção de algum prêmio, coopera com os órgãos de investigação, os acordos de não persecução penal ou cível dispensam essa colaboração.

A possibilidade de acordo na dimensão punitiva da esfera de improbidade administrativa já estava prevista no art. 1º, § 2º, da Resolução 179/2017 do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), mas não em lei. É indiscutível, portanto, o mérito da alteração da redação do § 1º do artigo 17 da LIA, que põe fim a uma importante discussão nessa seara. Contudo, não podemos deixar de criticar o fato de a Lei 13.964/2019 não ter trazido parâmetros procedimentais e materiais a serem observados nesse tipo de ajuste, em ordem a padronizar, em todo o território nacional, esse tipo de negociação.

Note-se que o artigo 17, §1°, em sua nova redação, dispõe expressamente que “as ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei”. O problema é que a regulamentação de tal acordo, inserida pela Lei Anticrime no artigo 17-A da Lei 8.429/1992 (LIA), foi integralmente vetada pelo Presidente da República. Extrai-se das razões do veto a preocupação com a segurança jurídica. Como a norma vetada conferia legitimidade exclusiva ao Ministério Público para a celebração do acordo, acabou gerando uma incompatibilidade lógica com o artigo 17, caput, da LIA, que se mantém inalterado e prevê legitimidade tanto para o Ministério Público como para as pessoas jurídicas interessadas ajuizarem ação de improbidade administrativa.

Diante da ausência de regulamentação, o próprio Conselho Nacional do Ministério Público pode regulamentar a matéria, em nível nacional, editando normas gerais a serem complementadas pelos Ministérios Públicos dos Estados e da União. Entendemos, também, que a própria Administração Pública poderá definir os parâmetros procedimentais e materiais a serem observados por seus entes na celebração dos acordos de não persecução cível.

Nesse cenário de incertezas, a presente reflexão sobre esse novo instituto não pretende ser exauriente. Contudo, não podemos nos furtar de enfrentar algumas questões que nos parecem relevantes para a efetividade da norma.

Natureza jurídica

O acordo de não persecução cível tem natureza jurídica de negócio jurídico, na medida em que depende da clara e livre manifestação de vontade das partes. Embora os efeitos mais importantes deste negócio jurídico estejam previstos na lei, a declaração de vontade, ínsita ao acordo de não persecução cível, tornará específica a forma de incidência da norma no caso concreto, vinculando os pactuantes aos efeitos expressos no ajuste.

Justamente em razão da sua natureza consensual bilateral, não estão os legitimados obrigados a propor o acordo[iii], assim como não se pode obrigar o agente ímprobo a firmá-lo. Por exemplo, pode o Ministério Público, a partir de um juízo de conveniência e oportunidade, ajuizar a ação de improbidade administrativa ou formalizar o acordo de não persecução cível. Deve-se verificar qual a situação mais adequada, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. É claro que se as condições se mostrarem favoráveis à celebração do acordo, deve-se privilegiar essa forma de solução do conflito, sendo dever tanto do Ministério Público como da Administração Pública buscar a solução negociada de forma exaustiva. Todavia, não existe para o agente ímprobo um direito subjetivo à celebração do acordo.

Pressupostos

O acordo de não persecução cível somente poderá ser celebrado quando estiverem presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: (i) confissão da prática do ato de improbidade administrativa; (ii) compromisso de reparação integral do dano eventualmente sofrido pelo erário; (iii) compromisso de transferência não onerosa, em favor da entidade lesada, da propriedade dos bens, direitos e/ou valores que representem vantagem ou proveito direto ou indiretamente obtido da infração, quando for o caso; e (iv) aplicação de uma ou algumas das sanções previstas no artigo 12 da LIA.

A confissão da prática do ato de improbidade administrativa, embora não prevista expressamente na LIA, constitui-se em condição para a celebração do acordo de não persecução cível. Na hipótese, aplicam-se, em diálogo das fontes, as normas que disciplinam a autocomposição em outras instâncias de responsabilização do direito sancionador, a saber: (i) artigo 16, § 1º, III, da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial); (ii) artigo 86, § 1º, IV, da Lei 12.825/2011 (Lei do CADE); e (iii) artigo 28-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei Anticrime (Lei 13.964/2019).

Essa interpretação favorece a coerência do microssistema de tutela do patrimônio público. Afinal, não abona a lógica jurídica sustentar que um agente público que fraudar uma licitação poderá celebrar um acordo de não persecução cível na esfera da improbidade administrativa, pela prática de ato lesivo ao erário (art. 10, VIII, da LIA), independentemente de confissão, ao passo que, na esfera criminal, esse mesmo agente somente poderá celebrar um acordo de não persecução penal, pela prática do mesmo fato, se confessar sua participação no ilícito (artigo 89 da Lei 8.666/1996).

O acordo também deverá contemplar a recomposição do patrimônio público lesado pelas práticas ilícitas, o que se considera o núcleo irrenunciável de tutela do interesse público (LIA, art. 5º), na matéria.

Noutro flanco, a necessidade de o acordo contemplar ao menos uma das medidas genuinamente punitivas previstas no artigo 12 decorre do fato de que a LIA reflete nítido caráter punitivo-repressivo. Não pode o Ministério Público ou a pessoa jurídica interessada, por exemplo, se contentar com a recomposição do patrimônio público lesado. Se o ressarcimento integral do dano consubstancia simples e inevitável desdobramento de qualquer ato ilícito que importe prejuízo a outrem, faz-se imperiosa a fixação de, pelo menos, uma das outras sanções apontadas no art. 12 da LIA, sob pena de desvirtuamento da função e do papel da Lei de Improbidade Administrativa, que, idealizada como instrumento de punição, transvestir-se-ia em mera demanda reparatória.

Sanções que podem ser convencionadas

O acordo de não persecução cível poderá prever a aplicação imediata de quaisquer das sanções previstas no artigo 12 da LIA, a saber: a) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; b) ressarcimento integral do dano; c) perda da função pública; d) suspensão dos direitos políticos; e) multa civil; e f) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

Conforme visto, a redação originária da LIA vedada qualquer tipo de transação, acordo ou conciliação na esfera de improbidade administrativa.

A Lei 13.964/2019, a seu turno, não só excluiu tal vedação como incluiu no artigo 17, § 1º, da LIA previsão expressa de solução negociada, sem estabelecer qualquer tipo de limite ao acordo. Essa ausência de limitação, a nosso sentir, autoriza as partes interessadas a convencionarem a aplicação de toda e qualquer sanção prevista no artigo 12 da LIA, por meio do denominado acordo de não persecução cível.

E nem se alegue que a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos são incompatíveis com o instituto em exame, sob o argumento de que tais sanções só podem produzir efeitos depois do trânsito em julgado de uma sentença condenatória prolatada numa ação de improbidade administrativa (artigo 20, caput, da LIA). Ora, a incidência de tal regra pressupõe a necessária resistência à pretensão punitiva por parte do agente ímprobo. Se ele concorda com a aplicação da sanção num acordo de não persecução cível previsto na própria LIA, afasta-se a incidência do artigo 20.

Questão interessante é saber se a sanção de suspensão dos direitos políticos, que afeta a cidadania do agente ímprobo, restringindo-lhe temporariamente os direitos políticos, obstando, assim, sua participação na vida política do Estado, pode ser aplicada num acordo de não persecução cível.

Conforme visto, o art. 15 do texto constitucional indicou expressamente o ato de “improbidade administrativa” (inciso V) entre as hipóteses de suspensão dos direitos políticos (privação temporária). No particular, atente-se que a norma não exige a condenação definitiva pela prática do ato de improbidade administrativa, mas sim e tão somente a prática do ilícito, diferentemente da hipótese de suspensão relacionada à prática de infração penal, esta sim condicionada ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória (inciso III).

Complementando esse dispositivo, a Constituição estabeleceu no art. 37, § 4.º, que os atos de improbidade administrativa importarão, entre outras coisas, a suspensão dos direitos políticos, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Em obediência a esse comando constitucional, a Lei 8.429/1992 previu expressamente a sanção de suspensão dos direitos políticos (art. 12, I, II, III e IV), que poderá ser aplicada pela prática de qualquer modalidade de improbidade administrativa (enriquecimento ilícito, lesão ao erário e atentado contra os princípios regentes da atividade estatal). Já em seu artigo 17, § 1º, com a nova redação dada pela Lei 13.964/2019, passou a admitir expressamente a solução negociada, sem estabelecer nenhum tipo de limitação material ao acordo.

Nessa ordem de ideias, é imperioso concluir que a simples prática do ato de improbidade administrativa, quando confessada pelo agente, já autoriza a aplicação imediata da sanção de suspensão de direitos políticos, inclusive no acordo celebrado na esfera extrajudicial.

Em resumo, pensamos que a simples confissão do agente ímprobo, colhida num acordo de não persecução cível, autoriza a imposição imediata de todas as sanções previstas no artigo 12 da LIA, quer seja na fase extrajudicial, quer seja na fase judicial.

Noutro flanco, registre-se que o acordo de não persecução cível poderá incluir outras medidas que se mostrem necessárias e adequadas à proteção da probidade administrativa. Vale dizer, cumulativamente com uma ou mais das sanções previstas no artigo 12 da LIA, poderão também ser avençadas outras obrigações de fazer ou não fazer que se revelem pertinentes ao caso e não sejam defesas em lei.

Pense-se, por exemplo, no caso de um médico do SUS que confesse a prática de assédio sexual contra seus pacientes. Caso ele aceite a aplicação imediata da sanção de perda da função pública, num acordo de não persecução cível, poderá também aceitar cumprir outras obrigações, como a inabilitação para o exercício de qualquer função pública por um determinado período de tempo. Embora tal medida não esteja prevista no artigo 12 da LIA, poderá ser incluída no objeto do acordo, porquanto adequada à proteção da probidade administrativa.

Em qualquer caso, a celebração do acordo levará em conta a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, bem como as vantagens, para o interesse público, na rápida solução do caso.

Legitimidade para o acordo

A norma que conferia legitimidade apenas ao Ministério Público para a celebração do acordo de não persecução cível foi vetada pelo Presidente da República (art. 17-A). Em razão do veto, não restou na LIA nenhum outro dispositivo disciplinando a legitimidade para a celebração desse tipo de acordo.

No silêncio da lei, entendemos que todos os legitimados à propositura da ação de improbidade administrativa estão autorizados a buscar uma solução negociada. Isto é, tanto o Ministério Público quanto as pessoas jurídicas interessadas podem celebrar o acordo de não persecução cível com o agente ímprobo.

Na fase extrajudicial, referido acordo deverá ser formalizado num compromisso de ajustamento de conduta, nos termos do artigo 5º, § 6º, da Lei 7.347/1985, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

No ponto, uma colocação se faz necessária: nem todos os entes legitimados à propositura da ação de improbidade administrativa possuem legitimidade para a celebração do compromisso de ajustamento de conduta. As empresas públicas e as sociedades de economia mista, por exemplo, quando vítimas de um ato de improbidade administrativa, detêm legitimidade para a propositura da correspondente ação de improbidade, contudo, não detêm legitimidade para a celebração de compromisso de ajustamento de conduta, pois não são entes públicos.

Isso posto, entendemos que os acordos de não persecução cível celebrados extrajudicialmente pelas sociedades de economia mista e pelas empresas públicas precisarão, necessariamente, ser homologados em juízo, na forma do artigo 515, III, do Código de Processo Civil. A partir daí, tais acordos passarão a dispor da eficácia de um título executivo judicial.

Nesses casos, a homologação dependerá obrigatoriamente da oitiva do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica, decorrência lógica do microssistema do processo coletivo. Se o Ministério Público intervém em todas as ações de improbidade, também na homologação judicial do acordo extrajudicial de não persecução cível sua oitiva é obrigatória.

É oportuno mencionar que o compromisso a que alude o artigo 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942)[iv] não é aplicável na esfera de improbidade administrativa. Como bem observa José dos Santos Carvalho Filho, tal compromisso não pode envolver interesses indisponíveis, limitando-se aos disponíveis, principalmente os de caráter patrimonial[v]. Também não parece constituir título executivo extrajudicial, já que a lei não lhe atribuiu essa condição, como o exige o artigo 784, XII, do CPC, e nesse aspecto difere dos termos de compromisso de ajustamento de conduta, expressamente qualificados com tal condição (art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/1985).

Já na fase judicial, não há nenhuma limitação quanto aos legitimados, o que significa dizer que todos os entes legitimados à propositura da ação de improbidade poderão celebrar acordos de não persecução cível. Referido acordo, uma vez homologado pelo órgão judiciário, dá origem a um título executivo judicial (CPC, art. 515, II).

Por último, anote-se que nos acordos judiciais, quando o Ministério Público não for o autor da ação, deverá ser ouvido antes da apreciação do pedido de homologação da avença, na condição de fiscal da ordem jurídica (art. 17, § 4º, da LIA).

Momento para a celebração do acordo

O acordo de não persecução cível poderá ser celebrado:

  1. na fase extrajudicial: antes do ajuizamento da ação civil de improbidade administrativa, as partes interessadas podem celebrar o acordo, que será formalizado, como regra, num termo de compromisso de ajustamento de conduta. Na hipótese de o acordo ser celebrado por empresa pública ou sociedade de economia mista, conforme visto, o correspondente termo de compromisso deverá ser homologado em juízo, na forma do artigo 515, III, do CPC; ou
  2. na fase judicial: a LIA autoriza a celebração do acordo de não persecução cível no curso da ação de improbidade administrativa, cuja eficácia fica condicionada à homologação judicial, na forma do artigo 515, inciso II, do CPC.

No ponto, questão interessante é saber se existe algum momento oportuno para a celebração do acordo de não persecução cível na fase judicial. Noutras palavras, a LIA estabeleceu algum marco temporal para a celebração do acordo, cuja inobservância resultará em preclusão? Pensamos que não.

A Lei Anticrime inseriu a possibilidade de solução negociada na LIA, mas não delimitou um momento estanque para a celebração do acordo de não persecução cível. Conclui-se, assim, que a medida pode ser levada a cabo a qualquer tempo, nos termos do artigo 139, V, do CPC[vi]. Vale dizer, o acordo de não persecução cível poderá ser celebrado e homologado judicialmente enquanto o processo estiver pendente.

É possível que a celebração do acordo se dê já em fase recursal – que se inicia a partir da interposição do recurso -, quando deverá o pedido de homologação ser dirigido ao relator da causa no tribunal.

A nosso sentir, o único limite temporal para a celebração do acordo de não persecução cível é o trânsito em julgado da sentença condenatória. Uma vez fixadas as penas, transitada em julgado a sentença, não se admitirá um acordo que possa implicar a afetação desta coisa julgada, reduzindo as sanções ou modificando o regime do seu cumprimento, independentemente do quantum de pena aplicado. [vii]

Por fim, merece destaque o artigo 17, §10-A, também inserido na LIA pela Lei Anticrime, que dispõe o seguinte: “Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias”. Note-se que a intenção da norma não é a de fixar um prazo fatal para a celebração do acordo, mas sim a de ampliar as possibilidades de uma solução negociada, por meio da interrupção do prazo para contestação, por até 90 dias. Nesse prazo, as partes poderão concentrar todos os seus esforços nas tratativas necessárias à celebração do acordo, o que acaba ampliando, indiscutivelmente, a chance de sucesso da negociação.

Controle do acordo de não persecução cível pelo juiz

Conforme visto, existem duas maneiras de se obter um título executivo judicial a partir de um acordo de não persecução cível. A primeira é requerer em juízo a homologação de uma autocomposição extrajudicial, valendo-se dos permissivos do artigo 515, III, do CPC. A segunda é celebrar o acordo no curso de uma ação de improbidade, nos termos do artigo 515, II, também do CPC.

A atividade do juiz nestes casos não será, contudo, meramente confirmatória do acordo, em juízo simplista de delibação, no qual se verificam apenas os aspectos formais da avença. O juiz, nestas oportunidades, deverá proceder a um verdadeiro exame de mérito do acordo, deixando de homologá-lo, homologando-o parcialmente ou recomendando às partes alterações em determinadas cláusulas.

Se o juiz considerar inadequadas ou desproporcionais as condições fixadas no acordo de não persecução cível, poderá devolver os autos às partes para que seja reformulada a proposta de acordo.

Note-se, justamente por isso, que os acordos judiciais celebrados pelo Ministério Público não são passíveis de revisão no âmbito interno (não necessitam ser homologados pelo respectivo Conselho Superior)[viii], pois o controle já é realizado pela autoridade judicial.

Considerações finais

Sob a perspectiva do direito sancionador, a negociação traz reflexo positivo na concretização do interesse público, pois não exime o agente ímprobo da obrigação de ressarcimento integral do dano causado pela conduta ilícita, ao mesmo tempo em que viabiliza a aplicação imediata das sanções previstas em lei, na medida necessária e suficiente para sua prevenção e repressão, em ordem a afirmar o direito à probidade administrativa no caso concreto e assegurar sua efetividade, provavelmente de um modo mais célere e implementável do que se alcançaria se se aguardasse todo o longo e moroso transcurso da ação civil de improbidade necessária à sua aplicação.

Na ausência de regulamentação do acordo de não persecução cível, é natural que a sua implementação gere intensos debates entre os operadores do direito. Com os olhos voltados para a efetividade da defesa da probidade administrativa é que faço essas primeiras reflexões sobre esse novo instituto, que deverá ser aplicado em consonância com as normas que compõem o microssistema de tutela do patrimônio público, sempre à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

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[i] Referido acordo já estava previsto na resolução 181/2017 do CNMP, mas não em lei. A partir da vigência da nova norma, nos casos de infrações penais com pena mínima inferior a 4 anos, praticados sem violência ou grave ameaça, o Ministério Público pode propor o não processamento do investigado, desde que ele repare o dano, confesse a prática da infração, preste serviços à comunidade e pague uma prestação pecuniária.

[ii] São exemplos de institutos de direito premial os acordos de leniência celebrados com os autores de atos lesivos à administração Pública (Lei 12.846/2013) ou ofensivos à ordem econômica (Lei 12.529/2011), e os acordos de colaboração premiada celebrados com os integrantes de organização criminosa (Lei 12.850/2013).

[iii] Registre-se que para o STJ o Termo de Ajustamento de Conduta é destituído de caráter obrigatório, razão pela qual sua não proposição não induz à carência de ação. Esse mesmo entendimento, por analogia, deverá ser adotado para o acordo de não persecução cível (REsp 1.252.869/DF, 2 T., Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 15.08.2013.

[iv] Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.

[v] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 1.214.

[vi] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (…) V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;

[vii] Anote-se que a Lei de Combate ao Crime Organizado prevê expressamente a possibilidade de o acordo de colaboração premiada ser celebrado após à sentença. Conforme o artigo 4º, § 5º, da Lei 12.850/2013, “se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá se reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos”.

[viii] Res. 179/2017, art. 6.º, § 1º.


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